Programação de 2012 do Tate Modern em Retrospecto: O Lugar para a Performance

O Studio International, através de Caroline Menezes conversou com Catherine Wood, curadora de Arte Contemporânea e Performance do Tate Modern.
Artigo original e completo em Tate Modern 2012 Programme in Retrospect: the Place for Performance (studiointernational.com)

Não foi surpresa quando o Tate Modern anunciou, em janeiro, que 2012 foi um ano excepcional para o museu no quesito números de visitantes. De acordo com dados divulgados pelo museu, um total de 5,3 milhões de pessoas visitaram seus espaços expositivos no último ano.

É um recorde desde sua inauguração, em 2000, e representa um aumento de 9,5% em relação a 2011. Um evento que certamente contribuiu para que esse número fosse alcançado foi a retrospectiva de um dos artistas contemporâneos britânicos mais controversos: Damien Hirst. Ter sua exposição aberta por cinco meses, abrangendo o período dos Jogos Olímpicos, quando a cidade, particularmente a margem do rio, estava repleta de turistas, foi com certeza uma estratégia de sucesso para chamar atenção para o museu.

No total, 450 mil pessoas visitaram a mostra entre abril e setembro. No entanto, Hirst e seu crânio de diamante não foram um fator primordial e isolado para este marco. Ainda mais importante, foi a tão esperada renovação que o Tate Modern vem trabalhando há anos e cujos resultados começaram a se apresentar em 2012. O principal destaque foi o lançamento dos Tanks [Tanques], que inaugurou um novo espaço para arte ao vivo no prédio que antes fora a Usina Bankside e hoje é o museu de arte moderna e contemporânea mais popular da Europa.

Os Tanks [Tanques] foi apresentado em julho e é a primeira etapa do projeto de desenvolvimento de extensão, que também inclui o anexo de novos edifícios, e será concluído em 2016. As grandes câmaras industriais, onde os galões de petróleo usados para abastecer as turbinas que geram eletricidade, foram mantidas em estado natural na transformação, e foram abertas à visitação. Os dois tanques circulares do leste e do sul têm sete metros de altura e trinta metros de diâmetro cada. Além destes dois cilindros, um para exibição temporária e outro apenas para apresentações, há várias outras salas menores usadas para a exibição de arte ao vivo, instalações de som e vídeo e fotografia. As dimensões impressionantes de suas grossas paredes de concreto proporcionam uma atmosfera neutra, propícia para o uso experimental e imersivo do espaço, que é privado de janelas ou quaisquer outros acessos ao lado de fora.

O programa de abertura para os The Tanks – Art in Action [Tanques – Arte em Ação] – reuniu importantes obras que estabelecem a história da performance, do cinema e das instalações. Durante 15 semanas, as criações de mais de 40 artistas de todo o mundo foram exibidas. O período destinado às exposições e filmes e o número de apresentações foram reduzidos, mantendo assim, de certa forma, o caráter efêmero e transitório desse tipo de expressão. Recentemente, o programa de apresentações foi anunciado para o BMW Tate Live 2013, o que dá ênfase a uma abordagem interdisciplinar da arte e da tecnologia, tendo eventos agendados acontecendo nos Tanks [Tanques] e online, de fevereiro a dezembro.

Além da clara intenção de explorar novos meios de trazer a performance para a instituição, os Tanks [Tanques] – que segundo o site do Tate são “as primeiras galerias permanentemente dedicadas à arte ao vivo do mundo” – despertaram um certo ceticismo. No coração da arte ao vivo, como tem sido geralmente chamada pelo Tate, há a prevenção de sua objetificação pela tradição dos museus. Por essa razão, de acordo com a opinião de alguns críticos, um projeto como os Tanks [Tanques] pode, de certa forma, deturpar a prática artística, que é geralmente por tempo limitado, ao tentar legitimá-la através de um selo institucional. A preocupação que prevalece é de que o espaço arquitetural pode afetar a arte apresentada ali.

Em contrapartida, muitos entusiastas veem o contrário. Os Tanks [Tanques] representariam uma consequência lógica de como a dinâmica da produção de arte pode perdurar, mas eventualmente modificar a função operacional do museu. É apenas uma questão de negociação estética, mas em termos de prática e protocolo, essa não foi, de forma alguma, uma tarefa fácil. Havia muitas perguntas e desafios com os quais Tate foi confrontado, com a abertura do primeiro espaço museológico dedicado às apresentações.

Para esclarecer esse debate, o Studio International conversou com Catherine Wood, curadora de Arte Contemporânea e Performance do Tate Modern, que organizou o programa Art in Action, é responsável pelo BMW Tate Live 2013 e foi a curadora da exposição de arte A Bigger Splash: Painting after Performance. Esta última, inaugurada no fim de 2012, teve uma abordagem quase que educativa em relação à história da arte performática, confirmando que o foco na arte ao vivo pode ser encontrado não apenas nos Tanks [Tanques] mas é estendido para todas as galerias. Por exemplo, em 2012, os visitantes do Tate testemunharam, também, a primeira comissão ao vivo da Unilever, quando o artista anglo-alemão Tino Sehgal criou These associations, em que ele coreografou um grupo de 70 artistas que convidavam os visitantes a participar em diferentes ações, todos os dias durante três meses, no Turbine Hall.

Conversa com Catherine Wood

Caroline Menezes: A ênfase na performance no programa de 2012 do Tate é evidente. Qual mensagem o Tate quer transmitir com esse foco na arte ao vivo? Seria um reconhecimento tardio? Seria para fornecer uma plataforma para artistas que não são frequentemente vistos
nos museus?

Catharine Wood: Nós queríamos começar a contar a história “completa” da arte dos últimos 50 anos, e esses eventos variados e mostras têm sido maneiras de fazê-lo. Como trazer as histórias “menores”, de cinema e performance, para o diálogo com as histórias “maiores”, de pinturas e esculturas, por exemplo? Como é que a performance esteve lá esse tempo todo, mas invisível? Por exemplo, nós podemos ver as ações ao vivo performadas por Joseph Beuys, em torno de esculturas em exposição. Trata-se de conectar o museu como um “guardião” de objetos, com os processos vivos de criação e recepção da arte.


CM: Por um lado, foi dito que a performance e a arte de novas mídias têm evitado uma certa “cristalização” da tradição museológica, e que o projeto do Tate poderia trazer essa conotação para a manifestação artística, de alguma forma. Em contrapartida, algumas resenhas celebram a inauguração de um espaço como os Tanks [Tanques] em um museu como o Tate como uma boa oportunidade para promover uma compreensão maior sobre a performance e a arte ao vivo. Qual é a posição do Tate em relação a essas duas opiniões diferentes?


CW: Nós estamos cientes de que qualquer obra de arte trazida para um museu é, de certa forma, removida do seu contexto original. É o mesmo que um retábulo veneziano no National Gallery. A função do museu não é ser o contexto original autêntico em si, mas encontrar maneiras de comunicar esse contexto, e contar histórias sobre as relações entre obras de arte, sejam elas performances, pinturas ou fotografias. Nossa preocupação é que as pessoas sejam capazes de ter essa vivência do espírito desse tipo de trabalho, bem como ver sua documentação, e não se trata apenas da história, mas da maneira como muitos jovens artistas estão trabalhando. Nós queremos abrir espaço a isso, pois essa é a alma da instituição, e muitas vezes abre portas para novas formas de pensar sobre a história, também.


CM: Em retrospectiva após mais de sete meses desde a inauguração, qual é o principal impacto que os Tanks [Tanques] tiveram na vivência da arte no museu? Alguma mudança emrelação à experiência do público foi percebida? E quanto aos artistas? Quais foram seus comentários sobre trabalhar nesse novo espaço?


CW: Esses espaços deram visibilidade, não apenas aos aspectos do programa que temos trabalhado há quase uma década de maneiras mais secundárias – cinema e performance –, mas essencialmente às maneiras que os ARTISTAS [sic] têm trabalhado por mais de 50 anos. Os processos e formas que são raramente visíveis dentro das mostras de arte tradicionais, que focam em objetos e instalações. Os artistas têm respondido muito positivamente aos espaços. Eles os acham únicos e cheios de potencial. Eles amam sua ambiguidade entre caixas pretas [Tanques] e cubos brancos [galerias], e a liberdade de experimentação que isso implica. Ao mesmo tempo, apesar de bastante “grandiosos”, tanto o público quanto os artistas parecem se sentir muito confortáveis ocupando estes espaços. Eles não são intimidadores.